Ser ou não ser (uma farsa), eis a questão
Reflexões sobre a Síndrome do Impostor no processo de estudos.
Ansiedade, estresse, pressão e desânimo são alguns dos muitos sentimentos vivenciados por estudantes em processo preparatório para o Exame da OAB. Entre posts e aprendizados construídos até o momento presente, já se tem sedimentado a concepção de que esses são elementos que fazem parte da experiência de forma natural, e não necessariamente intencional. Mas e quando o próprio aluno provoca situações que levam a experienciar esses sentimentos de forma mais aguda e recorrente? Será que é tão improvável assim ser o autor da contradição da criação dos próprios obstáculos?
Na verdade, não é algo tão raro como estima-se, apesar de contraintuitivo. Esse fenômeno é denominado como “fenômeno impostor”, ou popularmente conhecido como “Síndrome do Impostor”. A seguir, vamos discutir brevemente sobre esse conceito, sua origem na história, possíveis fatores correlacionados, e possíveis formas de enfrentamento.
A origem da síndrome do impostor
A primeira vez que o conceito apareceu foi ao final da década de 1970, momento em que as psicólogas Clance e Imes construíram um estudo baseado em relatos clínicos de mulheres que, apesar do seu notório sucesso profissional, avaliavam-se como ineficazes e desmerecedoras de suas conquistas. Essas mesmas mulheres acreditavam que só haviam atingido o patamar de sucesso em que se encontravam por sorte ou outros fatores ocasionais, subjugando suas virtudes e esforços ao acaso do que viviam. Entretanto, estudos que sucederam a obra das psicólogas demonstraram que não só mulheres sofriam por tal fenômeno, mas homens também.
O conceito “Síndrome do Impostor” diz respeito a um perfil subjetivo que tende a inferiorizar a si mesmo, enxergando e sentindo-se como se fosse uma farsa, enfatizando os próprios defeitos, não reconhecendo as próprias qualidades e potenciais, e gerando sentimentos de desvalorização e sofrimento emocional. Em suma, o sujeito crê que não é merecedor, de forma alguma, por suas conquistas e feitos admiráveis, e que estes seriam decorrentes de enganos e/ou sortes do destino.
Neste sentido, quando colocado sob avaliação, pode amplificar o sentimento de angústia e incompetência frente ao teste, e consequentemente desorganizar-se de forma emocional e cognitiva, justamente afetando seu desempenho no desafio, e reforçando a perspectiva da profecia autorrealizável: “sou uma farsa e um fracasso”. Normalmente, o conceito está mais associado a tarefas que carregam consigo um caráter de avaliação, que colocam à prova o domínio intelectual, físico ou profissional de uma pessoa, esta que, por sua vez, tem uma perspectiva distorcida da leitura de sua performance, focando tão somente no resultado final desta.
Possíveis fatores correlacionados
A autoestima
A autoestima pode ser concebida como a capacidade e consideração do sujeito de estimar suas características físicas e subjetivas, como sua aparência, inteligência, amorosidade, capacidade e eficácia. A incapacidade de avaliar o próprio desempenho com maior precisão pode ser um fator potencial para o despertar da Síndrome do Impostor. Pessoas com um relacionamento negativo com o próprio desempenho, que dificilmente reconhecem suas qualidades e creem no mundo como fonte de enganação e desesperança, têm maior propensão a sofrer as angústias decorrentes da síndrome.
O condicionamento familiar
A frase “a infância é o chão que a gente pisa a vida inteira”, da autora Lya Luft, representa perfeitamente como as dinâmicas familiares podem construir o perfil subjetivo inclinado para o sofrimento decorrente da Síndrome do Impostor. Algumas famílias sustentam perspectivas de cobranças por performances de excelência, de punições frente a falhas, de comparações entre pares, bem como da projeção de desejos frustrados sobre a infância de muitas crianças. Por vezes, essa densa e complexa química de fatores pode vir a constituir uma persona compatível com a atribuição de valor a si condicionada pelos fatores internalizados enquanto jovem, e desta forma, mesmo que já adulto(a), orienta seus valores pessoais pelos aprendizados familiares.
Os ciclos de manutenção (profecias autorrealizáveis)
A Síndrome do Impostor é formada por diferentes eventos que contribuíram para a construção deste perfil subjetivo. Entretanto, frente a tantas experiências que remeteram à associação de testes avaliativos de desempenho à sensação de fracasso, inadequação ou ineficácia, torna-se intuitivo ao sujeito estimar que suas futuras experiências sejam pautadas da mesma forma. Frente a isso, compreende-se que sejam utilizadas ferramentas para enfrentamento de tais eventos e sentimentos angustiantes, usualmente traduzidas em comportamentos de esquiva, extrema antecipação, ou procrastinação do desafio.
Estes comportamentos, por sua vez, ocasionam na diminuição da probabilidade de sucesso do sujeito no enfrentamento de um novo desafio, uma vez que constituem como obstáculos para seu desempenho, e consequentemente reforçam as conceitualizações de fracasso. É oportuno mencionar que, ainda que o sujeito obtenha sucesso na tarefa desempenhada, ainda assim virá a crer que seu sucesso se deu pelo acaso, uma vez que criou empecilhos na execução da mesma, e que seu sucesso foi fraudulento.
Formas de enfrentamento da síndrome do impostor
A levar em consideração os prejuízos que a temática pode trazer aos estudos, bem como sua rigidez e potentes fatores cíclicos de manutenção e repetição, é oportuno que tenha-se à disposição um arsenal de ferramentas de enfrentamento. Neste sentido, a seguir serão apresentadas possíveis perspectivas para reconstrução da relação pessoal com o próprio desempenho.
Identificar a natureza dos pensamentos de impostor
Pode ser oportuno, em primeiro momento, olhar com responsabilidade e curiosidade sobre os pensamentos que remetem à temática da sensação da Síndrome do Impostor. Neste sentido, busque investigar os pensamentos mais recorrentes que entrelaçam sua sensação de incapacidade associada aos estudos, elabore sobre os mesmos com autocompaixão, compreendendo que é natural que tenhamos dúvidas sobre nosso desempenho, porém que é necessário dialogar internamente com eles através de afirmações sustentadas em evidências coletadas no seu processo de estudos. Desta forma, iremos basear nossas percepções de forma mais acurada em acordo com fatos, e não tão somente sobre sensações.
Exercite o autorreconhecimento
O exercício do autorreconhecimento é uma técnica complexa, porém que pode ser aperfeiçoada na medida que praticamos com maior recorrência. Trata-se da habilidade de refletir sobre suas virtudes e esforços empenhados no dia a dia, de forma a tornar mais nítido que você está sucessivamente se movimentando em prol do objetivo da aprovação, e consequentemente mais perceptível que há um esforço contínuo no seu processo. Dessa forma, pode-se ampliar o escopo de autoavaliação, não sustentando-a somente nos resultados de questões e simulados, mas também na análise crítica e realista da sua dedicação diária.
Análise sobre o progresso
Pode ser oportuno revisitar questões e simulados elaborados no passado, e traçar um comparativo com os mesmos testes realizados no momento atual. Desta forma, será clarificado o progresso e avanço no desempenho de tais tarefas, desmistificando as premissas da Síndrome do Impostor, e colaborando para o aumento da autoeficácia e autoestima.
Reestruturação dos pensamentos automáticos
Esta técnica, sem dúvidas, pode ser considerada uma das mais fundamentais para o enfrentamento das angústias e ideias associadas à Síndrome do Impostor. É válido salientar que esse quadro é constituído por percepções construídas em relação a eventos passados e conturbados, o que garante uma validação das experiências anteriores, porém remete a responsabilidade de redirecionar-se para o momento presente. Neste sentido, pode ser oportuno reavaliar as ideias que reforçam os ideais de fracasso, inadequação e desvalor, baseando-se em fatos concretos do cotidiano.
Por fim, é fundamental sempre que se proponha a refletir sobre as próprias vivências com os pilares constituidores da saúde mental: a curiosidade e autorresponsabilização. Aos que se identificam como impostores e sofrem com o fenômeno, meu sincero acolhimento pelas experiências que os levaram a enxergarem-se de tal forma, mas também os provoco a assumirem uma postura de sujeitos autores do próprio destino, sendo protagonistas da própria jornada, e deixando as sombras do passado no espaço e momento de vida que elas foram projetadas.
Atenciosamente, psicólogo Vitor Mueller.
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